No final de 2022 a Ilha de Marajó virou pauta em todo o país por conta de falas sobre exploração sexual de crianças e adolescentes no local. Na época, ao comentarmos o assunto fizemos a seguinte pergunta: Qual o caminho que a proteção à infância está tomando no Brasil?
Essa semana, um ano e meio depois, a Ilha de Marajó virou pauta novamente pelo mesmo motivo. Mais uma vez, queremos te convidar a falar sobre o assunto e a importância de políticas públicas que fortaleçam o sistema de garantia de direitos de crianças e adolescentes em todo o país.
A Ilha de Marajó é um território gigantesco, abrangendo 16 municípios. Para mensurar sua dimensão, toda a área é praticamente do tamanho da Dinamarca e possui o dobro do tamanho de Israel, sendo a maior ilha costeira do Brasil. É importante ter cuidado com generalizações para não distorcer a realidade local e evitar estigmatizações que possam prejudicar seus habitantes. Não é a primeira vez que a exploração sexual de crianças e adolescentes na Ilha de Marajó está em evidência.
Em um passado recente, a Ilha de Marajó ganhou destaque nos noticiários e na internet em duas ocasiões:
2019 – A então Ministra Damares Alves do Ministério da Família, Mulheres e Direitos Humanos afirmou que as meninas locais eram violentadas por não usarem calcinha. A solução apontada na época foi a construção de fábricas de calcinha na região.
2022 – Em um vídeo viralizado, a ex-ministra declarou ter conhecimento de um esquema de tráfico de crianças, onde as crianças tinham os dentes arrancados para a prática do sexo oral e eram privadas de alimentação para a prática do sexo anal. Ainda em 2022, o Ministério Público Federal solicitou esclarecimentos à Ministra e ao Ministério, visto que não houve uma denúncia formal sobre o caso, e não existiam informações fornecidas pelo ministério, causando estranheza.
A atenção social volta-se novamente para a Ilha de Marajó após a viralização de mais um vídeo com um relato vago sobre “crianças sendo vendidas” na ilha. Com a pauta das violações na Ilha de Marajó em destaque novamente, duas questões chamam a atenção: A primeira delas é a espetacularização do tema, onde, na busca pela atenção, até imagens e vídeos que não são relacionados à Marajó (sendo um deles, inclusive, do Uzbequistão) são utilizados na tentativa de mobilizar a opinião pública. Nos últimos dias, uma enxurrada de publicações e compartilhamentos sem qualquer cuidado com as informações prestadas, e onde até mesmo o rosto das crianças é compartilhado, viola ainda mais seus direitos, que os compartilhadores afirmam querer preservar. Cabe ressaltar que, apesar da intenção ser boa, essa propagação descuidada de informações erradas e enganosas mais atrapalha a luta pelos direitos humanos de crianças e adolescentes do que colabora.
O segundo ponto que chama a atenção é que o protagonismo da pauta não está com os marajoaras. Organizações locais têm reclamado sobre a estigmatização do povo marajoara como normalizador de violência contra a infância e têm se queixado da desinformação sobre o tema. Mas não é apenas nesta atual viralização que os marajoaras enfrentam dificuldades para pautar suas questões. Eles constantemente expressam sua frustração por não serem consultados na implementação de iniciativas para o desenvolvimento local.
Segundo a Organização Mundial da Saúde, a cada 24 horas, 320 crianças e adolescentes são explorados sexualmente no Brasil. Esse é o número oficial; no entanto, o número real é ainda maior, já que apenas 7 em cada 100 casos são denunciados. No Estado do Rio de Janeiro, observamos um aumento de 35% nas notificações de violência e exploração sexual de 2021 para 2022, de acordo com os dados da saúde. Não é incomum, inclusive durante capacitações promovidas pela Rede Abrigo para diretores e profissionais de abrigos, ouvirmos relatos sobre crianças e adolescentes acolhidos com histórico de diversos abusos sexuais, prostituição e aliciamento, na sua maioria envolvendo homens mais velhos contra meninas adolescentes. Isso não é uma exceção.
Em todos os níveis, e de sul a norte do país, precisamos de políticas públicas baseadas em evidências, boas práticas, saberes tradicionais, valores do bem viver – não mentiras, distorções, manipulações, pânico moral, racismo, nem de qualquer outra forma de violência. – Observatório de Marajó
Quer saber mais sobre a Ilha de Marajó?
Escute a população marajoara. Em 2023 foi criado o Fórum da Sociedade Civil de Marajó. Algumas dessas organizações são: Observatório do Marajó, Marajó Vivo, Comissão Pastoral da Terra, MALUNGUE, Jovens Cuíras, Filhas de Leila, Coletivo de Juventude Quilombola Abayomi, Rádio Margarida, Cáritas Regional Norte 02, Canal Marajoando
Como denunciar exploração sexual?
Para denunciar qualquer caso de exploração ou violência sexual infantil, é necessário procurar o Conselho Tutelar, delegacias especializadas ou ligar para o Disque 100